dessa viagem, ficam só as multas

 
É raro sentir essa necessidade de colocar no papel o sentimento que fica após traições - porque é a única e exclusiva vez que eu me sinto assim, então é tudo novidade. Não é aquela traição que você descobre do nada, que te contam, não - é a que você vê acontecendo e ainda tenta salvar o que não existe salvação. É quando te fincam uma faca lentamente, dia pós dia, até atravessar seu corpo e você se questionar o que fez de errado. O que eu fiz de errado? Eu não enxerguei. Eu me doei demais, de novo. E agora, doeu demais - e já não dói mais.

Fui traída? Depende - traíram minha confiança, que por mim, vale muito mais do que one night stand. Afinal, quem vai querer aquela lata velha? Ahahaha 


Sim, chegamos ao fim, finalmente. Mas diferente do que imaginei, não encontrei nenhuma luz no fim do túnel, parece mais o fundo do poço. Minha única vantagem aqui é não ter nenhum tipo de sentimento amoroso pela pessoa em questão - o que sinto hoje é um profundo desprezo, indiferença, e a certeza de que o karma vai triplicado. 


Mas vamos retornar ao início, shall we? Tínhamos passado de trator por cima daquele muro que me impedia de me aproximar de novas pessoas, novos mundos, novas oportunidades. E bom, quando minha vida estava começando a alavancar, comecei a me sentir querida por pessoas próximas, mesmo não podendo corresponder naquele momento. Era muito cedo, e me envolver com pessoas do mesmo ambiente corporativo já me trouxe muito trauma. E bom, era uma pessoa mais nova do que eu, e ainda assim demonstrava uma maturidade incrível, uma mente construída com muita experiência por ter gerado outra vida. 

Quando me vi embalada por eurobeat, vídeos aleatórios de LoL e piadas de carro, sabia que tinha caído na graça de estar apaixonada de novo. Sentimento maravilhoso, né? Gostar de alguém e começar a se arrumar mais, estar sempre pronta para alguma aventura e esperando mensagem madrugada adentro. Mas foi de um dia para o outro, como se um cupido tivesse flechado e do nada essa pessoa começasse a reluzir pra mim, enxergando de uma maneira diferente. Só que eu não sabia que essa maneira diferente seria estar completamente cega. 

E quando aconteceu, aconteceu. Tudo de uma vez só, tudo intenso do jeito que eu perco o controle da situação. Tamanha intensidade me fez cogitar o famoso "ah, por que não? eu não namoro sério há muito tempo" e assim nasceu a relação. Será que é assim que a gente descobre que amadureceu? Quando olha para a pessoa e não consegue enxergar mais alguém esteriotipado e idealizado, e mesmo assim gosta dela? Sem perceber defeito, nem nada? Bom, deve ser, minha cabeça funcionou assim então tava tudo bem, obrigada.


Quando oficializou a união, vieram alguns avisos de pessoas próximas, e eu além de ignorar, ainda rebati - afinal, a gente faz isso pra defender quem ama, não? Opa, mas eu já estava amando? Bom, não sei, a sensação era gostosa demais pra deixar passar assim. Quem sabe, né? Poderia estar amando. Acho que isso era amor, sim. O amor vence tudo.


E a corrida de carros da vida começou atropelando tudo. O trabalho precisou colocar faixas delimitantes entre nós, a família sempre foi mais importante e poderia se tornar um assunto sensível, porque havia uma terceira vida ali, que segundo ele, "viria sempre em primeiro lugar". "Ela é a primeira mulher na minha vida, e você é a segunda". Essa frase foi uma faca de dois gumes, a frase que toda mulher quer ter o conforto de ouvir, ao mesmo tempo é aterrorizante saber que nunca será prioridade na vida de quem ama. Segue a linha do aprendizado: entendi que filhos não precisam ser nenhum tipo de empecilho. Mas isso fazia parte da minha aceitação e estava tudo caminhando bem. Ter uma afilhada não estava no plano, mas nunca teve plano nenhum, teve? Aceitei dirigir mesmo sem habilitação. Pela adrenalina, pela novidade. 

Seguimos.


Novo sinal amarelo: Amor, vamos viajar? Ganhei uma estadia em um hotel em Miami. Nunca tive a grande pretensão de conhecer a Disney ou qualquer coisa em Orlando, mas quando cai no colo assim, why not? Vamos sem cinto de segurança, sem nada. Planejamos a viagem sem contar com o visto americano. Barrados, mas ainda tínhamos a grana emprestada. Ele comprou um carro e celulares novos, e eu fui tentar trocar a passagem pra Itália. 

Pandemia. 
Ele estacionou na minha casa e por lá ficou. Os alertas de semáforo vermelho foram aumentando, mas eu achei que era só implicância com o espaço pequeno. Não era.

Fui convencida que procurar outro lugar para estacionar seria melhor. Ou seria melhor eu dizer encostar? Porque ele ficou lá, encostado em casa, minando a alegria de quem morava comigo, e eu sem saber interpretar. Resgatar uma amizade de anos ou defender o novo amor? Complicado... o que parecia sinal verde era adquirir o próprio local, acessível e fácil demais, se fosse comprado com responsabilidade e planejamento. Só que não foi. 

Seguimos, novamente atropelando coisas, com aquela pulguinha atrás da orelha. Mas o amor supera, o amor cura tudo! 


Celular quebrou, troquei. Conseguimos recuperar algum valor gasto, exceto a reserva do hotel (que era gratuito, mas precisava de um sinal) e parte da passagem. 
Não sofria com falta de dinheiro, tampouco comecei a pagar algo. Comecei a dar alguns luxos para ele e a família dele. Todo mundo feliz, certo? Até chegar a intimação de que ele teria que pagar pensão para a filha dele. Mas ué, ela não era prioridade na vida dele? 

E aí eu paguei o advogado, porque é o direito da menina receber o que é dela - jamais fui contra isso e sim em pagar um valor justo para ex namorada que ele disse ser _maluca por dinheiro e controladora demais_.  Hmmm... 

Eu tive a oportunidade de fazer algo que eu sempre quis: cirurgia no nariz. Tchau, desvio de septo, tchau lembrança do nariz do meu pai! E eu ainda ganharia mimos, como sopinha na cama e afins. Só que não tive. Tive a cena dele pegando meu celular, contratando um outro empréstimo para comprar outro carro. Por que outro carro, se ele comprou um assim que começou a pandemia?
Porque ele perdeu o documento e não queria pagar outro. 
- É só um papel, vamos conseguir pagar, melhor que outro carro.
- Quero vender esse logo para comprar outro. 
- Calma...
- Você não me apoia nas minhas decisões. 
- Eu apoio, é que eu tenho receio de...
- Você não entende desse negócio de carro. Não dá pra tirar um DUT novo. 


Não entendia a rebeldia e começava a me sentir culpada. Tinha algo estranho desde ali, desde o momento que a relação com a filha dele não era o que eu esperava, desde que eu vi que pra ele dinheiro iria igual água e que ele não estava muito preocupado em fazer dinheiro trabalhando, e sim na gambiarra. Mas nunca fui uma pessoa material, né? Dinheiro vai e vem. Eu não sei se me preocupava mais em limpar a casa que ele deixou cheia de marcas, se ia repor a geladeira que ele zerou, ou acalmar o Pedro que não tinha culpa nenhuma de ter que aturar alguém dentro de casa além de mim. 
E inclusive, estava na recuperação do nariz - são 15 dias de cama - e nenhum eu passei na cama, só passei nervoso. Meu sistema ia pifar inteiro.

Mas eu tenho meu amorzinho do lado, não tenho? O amor cura tudo. Ele vai me entender, e eu vou entender ele, e vamos conquistar o mundo juntos. 

O carro que ele fez um empréstimo para comprar era um golpe, afinal, ele estava ali e caiu quem quis - muita gente caiu. Mas especialmente ele, que queria uma saída rápida, acabou por alongar mais ainda meu desespero. Mas o amor tudo vence, o amor tudo cura! Menos quando eu tinha hipoglicemia, que aí não tinha cura quando eu te pedia socorro. Eu mesma levantava, não sei como, mas conseguia me recuperar. 

Minha diversão e acalento era terminar o dia de trabalho e correr pro seu braço ver um filminho, série ou jogar alguma coisa. Ou ver você jogar, né - eu até queria tempo para mim, para estudar ou fazer coisas que eu gostasse, mas era mais fácil aceitar o que você propunha. Eu já não tinha muita força para lutar contra isso, era melhor aceitar do que arranjar confusão. 

Esse amor, inclusive, era renunciar as noites em que eu queria ficar quieta e ele queria algo mais. A insistência era tamanha que eu cedi para conseguir dormir depois, e essa noite em específico eu não deveria ter cedido. 

Ali foi onde minha confiança quebrou em níveis que nenhum martelinho de ouro conseguiria reconstruir. 
Foi o momento de maior fragilidade da minha vida e eu não tive um olhar, um apoio, uma mão pra segurar. Eu não tive comida, não tive sossego. Um dos meus pesadelos tinha acabado, para dar lugar ao novo: insegurança financeira, amorosa e até mesmo mental. 

Não, o amor não sustenta, o amor não cura. O amor não é pra sempre, o amor não era amor. Eu tirei a venda. Eu agora pude ver por todo o caminho tortuoso que eu levei esse relacionamento, toda a neblina e dirigir em alta velocidade me levou. Me levou pro precipício, mas ele não tinha notado isso ainda. Pra ele, era uma grande aventura e estava tudo bem. Afinal, o amor conquista, o amor vence.  O amor bastava pra ele, e pra mim não. 

A imprudência descreve perfeitamente o que foi o relacionamento. Nenhuma viagem pra praia, para o Rio ou almoços em casa vai me fazer esquecer os horrores que vi, ouvi e vivi. Nenhum jogo de playstation vai pagar as noites de sono insones, nenhuma panela vai cozinhar amor suficiente para manter essa palhaçada. 

E quando eu caí em mim... foi quando percebi a idealização que fiz, e que ele nunca foi nada daquilo que demonstrou ser. Sempre foi uma máscara, um dos melhores e piores atores que eu já tive o desprazer de ver e conhecer. Era no máximo um monociclo que tentou se vestir de van - uma hora não ia aguentar fingir para sempre, certo? Muito menos esconder coisas de mim. 

E mesmo quando algumas coisas eram verdadeiras, você manipulava de forma que deturpasse tudo - e em outras eu me sentia presa porque me contentei com as migalhas que você deixava. Eu tinha esperança de que aquilo fosse mudar com a idade, e talvez mude, mas eu não sacrificaria minha vida para aguardar isso acontecer. 

Comecei a tentar guinchar a situação avisando que algo ia mal e ele respondeu tão mal quanto - e bem, depois de conseguir tirar essa culpa das minhas costas por ter desistido de algo que eu falei que lutaria até o fim - acabou. Eu senti culpa até depois do final. Eu estava desistindo não era dele, era de um sonho meu. Um lugar para morar, uma família para criar. Eu desisti de mim, porque abri mão da minha personalidade em vários momentos, para tentar apaziguar algo que você dizia que eu mesma causei, e isso não era verdade. Pra contornar a situação financeira, ele também tentou me vender, tal qual diz ter tentado vender o carro dele. 

Foram anos perdidos. Foi uma lição aprendida, mas me custou muito mais do que dinheiro. Foram meses da minha vida, foi o trauma de gerir, o trauma de não conseguir confiar em quem se gostava e achar que o problema era todo meu. E no final, o problema continua sendo meu - carrego aqui algo em nome dos dois, que parece mais uma maldição do que um investimento. É o preço de não ouvir a intuição, os amigos e olhar ao redor. Achei que estava dando o meu melhor, e realmente estive - só não foi para a pessoa correta ainda. Porque a pessoa correta sou eu, e eu somente. 

O amor não sustenta uma relação, e um filho não segura namoro. Em uma CNH de confiança, para mim você perdeu todos os pontos. 

Eu não quero escrever nada disso no tom de mártir, vítima ou algo assim. Eu fui e estou sendo resiliente de estar onde estou, chegar onde cheguei, me manter onde piso. Por mais atrasada que eu esteja na corrida da vida, jamais estarei atrás de gente que suga minha energia. O dia que eu tiver combustível na minha reserva, será para trilhar minha estrada, na minha velocidade e seguindo meus sonhos. Quem quiser, que me acompanhe, mas não me tome o volante. 

À você, que provavelmente nunca lerá esse texto:
Você me deve. E eu tenho pena de quem você é e demonstra ser. 
Você realmente teve o mundo nas mãos, o amor que tanto quis. Mas você não vale a dor de cabeça pra ninguém, e ninguém deveria perder tanto tempo tentando ensinar você a fazer alguma coisa, sendo que você não sabe fazer nada sozinho, e nem corre atrás de saber. 
Eu tenho pena. Ainda bem que não está mais no meu caminho, e que o seu se ilumine para que você não estrague a trajetória de mais ninguém.  Que você jamais esqueça meu olhar, porque é o mais próximo que terá de mim algum dia para fins comparativos de como foi o início e de como é sua linha final dessa corrida interrompida. 


Com isso, declaro encerrada essa corrida maluca, mais tragicômica impossível. Ninguém venceu, muito menos o amor. Entre os feridos está o amor próprio, que nunca apareceu nesse trajeto. 


Meu possante está em conserto para aguentar o tranco que é essa vida...
E que eu não volte a circular em becos sem saída. 
Por mais engarrafado que tudo pareça estar, eu não vou ficar no carro aguardando. Eu vou a pé, mas vou adiante. 

E assim que eu me desfizer dessa ponte que me liga a você, não quero nem um cartão postal  -  vá embora, e com você leve todas essas multas de trânsito que você me fez passar. 


A prestação de contas irá chegar, e dessa vez não será para o Detran, hein? 

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